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Salada de Dados

Abandone o gráfico pizza: como contar boas histórias a partir dos dados

Letícia A. Pozza

28/04/2019 04h00

Uma história ruim bem contada vai mais longe do que uma história muito boa difícil de compreender. Na escola, sempre lembramos daquele professor que tem didática e que nos explicava algo de forma simples e lúdica, em vez daquele que só utiliza o livro como apoio e pouco se esforçava para nos ajudar a compreender a origem e a necessidade de uma fórmula de Báskara (que muita gente diz que nunca usou para nada, mas várias outras usam no dia a dia!).

Muito mais do que uma "soft skill", a habilidade de contar histórias, ou o storytelling, se transformou em uma necessidade. E para os dados, não poderia ser diferente.

Poucas pessoas sabem, mas o meu dia a dia é 50% feito de contar histórias. Traduzir um método e um assunto complexo para contar em uma palestra para um público diverso, apresentar o planejamento de uma área de dados para um grupo de diretores impacientes e críticos, apresentar as descobertas de mais de mil cruzamentos de dados que a equipe do projeto realizou em 30 minutos, planejar o conceito de um laboratórios de dados, escrever sobre visualização de dados de forma lúdica… todas são atividades do meu dia a dia que mais me exigem capacidades de contar histórias do que de ciência de dados. E uma das competências que eu vejo que é muito importante de desenvolver e que faz toda a diferença na hora de contar histórias é a de saber visualizar as informações de forma simples e lógica.

Uma boa visualização de dados pode significar a diferenciação do seu projeto frente ao de um concorrente, ou a compreensão de uma pessoa que não é especialista no assunto para saber como usar aquilo no dia a dia. Em vez de páginas e páginas que nos levam a conclusões voltadas a pessoas da área, ignorando o grande público, imagine se todos as publicações acadêmicas fossem infográficos. Quem sabe não consumiríamos muito mais assuntos científicos no dia a dia dessa forma?

Para mim, visualização de dados e storytelling são uma forma de democratizar e disseminar a informação, tornando-a consumível por todos e não somente para alguns. E elas são a perfeita mistura entre o jornalismo, o design e a ciência. E é exatamente pelo fato de que exigem diversos conhecimentos para que se tenha uma visualização de dados excelente que não é algo fácil de ser realizado com maestria.

Visualizar dados de forma incrível é hard skill, não soft: num cenário ideal, eu preciso de alguém que entenda a informação de forma aprofundada (matemático/estatístico/pesquisador); de um tradutor para o contexto (administrador/economista); de alguém que estude a melhor forma de visualizar (designer), e de que alguém que encontre uma história impactante (jornalista/comunicador). Se você vai colocar isso tudo em um dashboard (painel) automatizado, ainda coloque um ou mais tipos de desenvolvedores nessa sua lista de profissionais. Visualizando isso tudo, as habilidades de uma visualização de dados incríveis fica assim:

F*da, né? Então por que ainda tratamos disso de forma tão simplista nas empresas?

Mais do que isso: se pararmos para pensar, todo e qualquer dado é um evento no tempo. E quando olhamos os dados ao longo do tempo, temos uma história. Por trás de cada história e evento, existem uma ou mais pessoas. Cabe a nós contar a história delas da melhor forma possível.

"Mas Letícia, eu não tenho todos esses profissionais na minha empresa, como eu começo?" Te dou algumas dicas de ouro, que eu costumo dar para quem quer começar a usar a visualização de dados e o storytelling de dados a seu favor.

Primeiro, pare de usar gráficos de pizza! Sim, você me ouviu direito, só pare. Eles não ajudam ninguém. Tem milhares de outras formas de visualizar informação que ajudam muito mais. Comece pelo objetivo de visualização, não pela visualização que "você gosta mais". Vou deixar aqui alguns links que ajudam: DatavizCatalogue, DatavizProject.

Segundo, tenha certeza de que seus dados estão corretos. Uma pequena informação errada compromete todas as outras! Já fiz apresentações que tinha um número errado, pedi desculpas pelo tempo perdido daquelas pessoas, fechei o computador e voltei quando tive certeza de que tudo estava correto. Não adianta insistir no erro, volte depois.

Terceiro, largue a ferramenta. É isso mesmo: saia da ferramenta, pois ela te deixa presa aos modelos que estão disponíveis e você não conseguirá evoluir. Vá para o papel e desenhe aquilo que você quer contar. Quantas vezes for necessário. Tem um livro-jornal incrível sobre como observar, coletar e desenhar informações da Giogia Lupi e da Stefanie Posavec. Como designers de informação, elas acreditam que desenhar é uma forma de manifestar os pensamentos de forma lógica, buscando a melhor forma de traduzir o que está desorganizado na nossa cabeça.

E mesmo que você seja ruim de desenho, pense que será um exercício que te exigirá uma capacidade de abstração enorme, o que é ótimo! Eu desenho tudo, até mesmo gráficos de linhas e de barras. E o processo é incrível: tenho a sensação de que tudo fica mais claro a medida que vou colocando no papel. Abaixo coloco alguns desenhos inspiradores para você.

Quando você estiver confortável com a forma de mostrar os dados, busque ferramentas que lhe apoiem no processo. E se preciso, combine mais de uma para impacto. Teste os dados nos formatos que você desenhou, e se necessário, ajuste. No final, o resultado pode ficar incrível, como é o caso do trabalho do Leandro Amorim para a DAPP, da FGV, com um simulador que mostra a análise demográfica do fluxo migratório em diversos países.

 

Por último, conte sua história para alguém que nunca ouviu aquele assunto. É bem importante essa etapa, pois precisamos, além de escrever e desenhar, falar em voz alta. Nos ouvir falando é algo que nos mostra mais claramente onde temos que melhorar, pois permanecer com a história na nossa cabeça não nos dá essa noção de realidade. Além disso, pense na forma que você vai contar e na lógica utilizada. Existem duas grandes formas de contar uma história – (1) iniciando do grand finale (a grande descoberta primeiro), ou (2) do objetivo até a descoberta, passando por todos os cruzamentos até chegar nos resultados finais. Pense em quem será seu público e qual a melhor forma de impactá-lo ao contar de uma forma ou de outra. Se possível, teste os dois.

Este é o clássico caso de que 20% do trabalho levam 80% do tempo: contar boas histórias com dados é um trabalho que demanda dedicação e comprometimento. E infelizmente, não é uma fórmula pronta que te levará ao sucesso; cada pessoa deve desenvolver a sua forma de fazer isso, mas só a prática e o teste levam à perfeição.

E um dia, quem sabe, você estará gerando arte a partir dos dados, como faz o francês Kirell Benzi, que une ciência de dados em arte em visualizações incríveis, dignas de galerias 😉

Abaixo, a visualização de mais de 8 mil nós em 13 grupos de indústrias a partir das patentes criadas e as publicações geradas a partir delas. A imagem revela as relações entre as patentes que protegem produtos –representadas por pequenas linhas brancas no alto– e os artigos científicos que essas patentes citam –as ramificações coloridas–, ou seja, a quantidade de ciência aplicada para se chegar a esses produtos.

 

Sobre a Autora

Letícia A. Pozza é cientista de dados criativa que atua como consultora em grandes organizações no Brasil e fora, auxiliando-as a se tornarem mais orientadas por dados.

Sobre o Blog

Assim como a salada, a probabilidade de você gostar do assunto dados é muito baixa. Mas não tem como fugir: a quantidade de dados disponíveis é cada vez maior e o universo dos dados logo será o seu. Melhor é a gente aprender a entender e gostar disso o quanto antes, certo? Aqui, vamos discutir uma miscelânea de assuntos conectando Big data, ciência de dados, cultura analítica e como isso impacta o seu dia a dia. Vem comigo! Quem sabe eu não te faço gostar de salada também?